quinta-feira, 3 de março de 2016

Impeachment para não advogados

Por Rafael Gusmão


Muito se tem falado sobre impeachment, mas me parece que o cidadão comum tem dificuldade de entender o que isto significa, o que me motivou a tentar escrever de forma clara o que seria na verdade este processo de impeachment.

Advirto que o registro aqui contido passa ao largo das discussões políticas sobre os membros de Poderes de Estado, mas sim se limita a descrever o processo de impeachment tal como previsto na nossa Constituição republicana.

Pegando o gancho no princípio republicano, podemos entender que o impeachment é uma decorrência da forma republicana de governo. É uma de suas características importantes, por permitir a responsabilização dos gestores da coisa pública.

No que toca ao Chefe do Poder Executivo, nossa constituição prevê a possibilidade de instauração de processo por crime de responsabilidade. O art. 85 de nossa constituição traz um rol exemplificativo (exemplificativo porque não esgota os fatos que seriam passíveis de responsabilização do Presidente, que poderá ter previsões outras em lei especial) de condutas que poderiam ser qualificadas como crime de responsabilidade, que são atentar com a Constituição Federal e, especialmente, contra (i) a existência da União (ente federado); (ii) o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; (iii) o exercício de direitos políticos, individuais e sociais; (iv) a segurança interna do país; (v) a probidade na administração; (vi) a lei orçamentária; (vi) e contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

A violação desse rol de condutas gera a configuração de crimes de responsabilidade, que são infrações político-administrativas cometidas no exercício de função pública; e a responsabilização do Presidente da República implica no seu impedimento para o exercício do cargo para o qual foi eleito. Esta previsão de responsabilização do Presidente da República remonta os primórdios de nossa vida republicana, tendo constado nas Constituições de 1891, 1934, 1937, 1946 e 1967. 

O processo que se instaura para o julgamento de eventual impedimento do Presidente da República divide-se em duas fases: (a) um juízo de admissibilidade, processado na Câmara dos Deputados, e (b) um processo de julgamento, que tramita no Senado Federal.

Este juízo de admissibilidade que tramita na Câmara dos Deputados conta com a necessidade de obtenção de voto favorável à tramitação do processo de responsabilização do Presidente na fração de 2/3 dos votos dos membros da Câmara. O juízo de admissibilidade nada mais é que a aceitação de trâmite da acusação do Presidente pelo crime de responsabilidade.

Admitida a instauração do processo de responsabilização, o Presidente fica suspenso de suas funções, suspensão essa que perdura por 180 dias. Caso neste prazo o Senado não tenha concluído o processo, cessa a suspensão do Presidente, sem prejuízo do prosseguimento do processo.

A segunda fase, então, é o processo e julgamento do Presidente perante o Senado Federal. Desta forma, o Senado Federal passa a ostentar a qualidade de Tribunal político, cujo processo é presidido pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, e a condenação se dá pelo voto favorável de 2/3 de membros desta Casa Legislativa; e, caso julgada a procedência da acusação, o ocupante do cargo de Presidente fica impedido de permanecer no cargo.

Isto implica dizer que, com o impedimento do Presidente, assume o cargo o Vice-Presidente, para completar o tempo do respectivo mandato do Presidente impedido.

Tenho ouvido falar sobre a possibilidade de o país ser governado pelo Presidente da Câmarado Senado e do Supremo Tribunal Federal, mas devo dizer que este exercício da função de Presidente por estes membros de Poderes se dá também em momentos de normalidade institucional, quando ausentes o Presidente e o Vice-Presidente, na ordem de sucessão do art. 80 da Constituição. O mecanismo para solucionar este vácuo temporário ou permanente na Presidência é o seguinte: no caso de impedimento, vaga no cargo, ou ausência do Presidente e do Vice-Presidente, são chamados ao exercício do cargo, sucessivamente, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal e o Presidente do Supremo Tribunal Federal.

A Presidência somente seria exercida pelo Presidente da Câmara ou do Senado em caso de impedimento ou vacância (cargo vago) dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República. Nestes casos, a Constituição determina que seja realizada eleição noventa dias após de aberta a última vaga. Além do mais, se a vacância ocorrer nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos deve ser feita de forma indireta, pelo Congresso Nacional, 30 dias depois da última vaga.

 

Rafael Gusmão é advogado.